- Recife, vista aérea. Autor não identificado. Divulgação.
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Uma profissão regulamentada possui legislação e normas de funcionamento. No Brasil, para que as leis que tratam do exercício profissional fossem aplicadas, criaram-se os Conselhos Profissionais. O que reúne engenheiros, arquitetos e agrônomos foi criado em 1933. Além de exercer atividade de fiscalização do exercício profissional, também faz parte das atribuições dos conselhos o estímulo à política de valorização profissional. A criação de um exclusivo para os arquitetos é um passo neste sentido e que permitirá à sociedade uma melhor interação com esses profissionais e com os serviços que eles oferecem.
A criação de um conselho desligado do sistema Confea/Crea’s, que hoje não reúne apenas engenheiros e agrônomos, mas uma centena de títulos profissionais, era um sonho acalentado por sucessivas gerações de arquitetos e sua criação sempre foi uma questão polêmica. A iniciativa vem adequar o Confea/Crea’s a uma nova realidade, bem diversa daquela que havia no Brasil de 1933 e abre a possibilidade para que engenheiros e agrônomos também tenham seus próprios Conselhos.
A criação através do Anteprojeto de Lei para a Regulamentação da Arquitetura e Urbanismo no Brasil, foi uma proposta lançada pelas cinco entidades nacionais de arquitetos (IAB, FNA, AsBEA, ABEA e ABAP), assunto da quase totalidade das mesas-redondas e conferências do XVII CBA e recebeu o apoio público dos seguintes arquitetos: Carlos Fayet, Carlos Fernando Andrade (Presidente de Honra do XVII CBA), Clóvis Ilgenfritz da Silva, Dirceu Carneiro, Jaime Lerner (Presidente da UIA), Mário António do Rosário (Presidente do CIALP), Marcos Konder Netto, Nabil Bonduki, Nestor Goulart dos Reis Filho (primeiro signatário do abaixo-assinado de apoio), Oscar Niemeyer, Pasqualino Magnavita, Paulo Mendes da Rocha, Rosa Kliass, Roberto Segre, Ruy Ohtake e de representantes da classe estudantil.
O Arquitetura Brasil reproduziu um artigo intitulado Arquitetura, atribuição de arquiteto, de Haroldo Pinheiro, elaborado por solicitação da revista Construção OESP - edição de fevereiro/2003, em que o autor trata de questões relativas à permanência ou não dos arquitetos no sistema Confea/Crea’s. Antes que pareça uma adesão à causa da emancipação dos arquitetos, os artigos publicados pelo Arquitetura Brasil refletem a opinião dos autores. Em três oportunidades (13 de maio, em 04 e 05 de junho), o Arquitetura Brasil procurou contactar, por e-mail, Wilson Lang, Presidente do Confea/Crea’s, solicitando que opinasse sobre a Declaração do Rio. O Arquitetura Brasil foi informado que o Conselho ainda não tomou conhecimento da referida declaração e só vai manifestar-se após este conhecimento formal. Acrescentou que já se manifestou sobre este assunto em diversas oportunidades e sempre com o mesmo teor. Inclusive no discurso de abertura do Congresso [XVII Congresso Brasileiro de Arquitetos]. O mesmo Wilson Lang, em declaração publicada no website da Agência Senado, disse mais: a separação irá enfraquecer as categorias profissionais. E que engenharia e arquitetura são profissões interligadas e fazem parte de uma mesma estrutura orgânica de trabalho, razão pela qual não vê com bons olhos a separação.
Enquanto o Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo não se torna uma realidade, importantes passos continuam sendo dados em favor de sua concretização. O mais recente aconteceu no último dia 12 de maio [de 2004], quando a Comissão de Assuntos Sociais (CAS), do Senado Federal, em Brasília (DF), examinou em audiência pública a viabilidade da regulamentação do exercício da arquitetura e do urbanismo, e a criação do Conselho Federal da classe e dos respectivos conselhos regionais, como prevê o projeto de lei do senador José Sarney (PMDB-AP), que tramita em caráter terminativo no colegiado. Estiveram presentes à audiência vários senadores, dentre eles, o relator do projeto (PLS 347/03), senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Vários especialistas na matéria também estiveram presentes e manifestaram apoio à criação de órgãos próprios de fiscalização profissional de arquitetura e urbanismo.
Subjacente a todas as preocupações e dúvidas manifestadas pelos envolvidos nas discussões há a certeza de que o surgimento do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo é, sobretudo, uma perda de receita para o Confea/Crea’s. E mais, longe de ser uma reivindicação isolada dos arquitetos é uma tendência que pode ser seguida pelas diversas categorias profissionais agrupadas no sistema, a maioria deles sem qualquer interesse em comum. Se a criação do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo for bem sucedida, há a possibilidade de que não tarde o momento em que a que outras categorias façam o mesmo, criando seus próprios conselhos autônomos, desvinculados do Confea/Crea’s. A concretização dessa hipótese levaria a uma perda de receitas futuras e a própria extinção do sistema. A preocupação de Lang é pela sobrevivência do sistema; como seu presidente deve, naturalmente, preservá-lo.
O Projeto de Lei está disponível online, foi elaborado com a consultoria jurídica de Miguel Reale Júnior, concretiza os compromissos assumidos no manifesto "Aos Arquitetos e à Sociedade Brasileira", de 12 de maio de 1999, reafirmado em São Paulo em 11 de dezembro de 2002 e propõe reordenar o exercício da Arquitetura e Urbanismo, adaptando-o aos princípios da nova Constituição Brasileira. O mesmo projeto promove uma releitura dos instrumentos legais existentes e se articula a um Código de Responsabilidade Profissional, a um Código de Ética, bem como as demais normas constitucionais e infraconstitucionais brasileiras.
Arquitetura Brasil: O senhor é conhecido como um arquiteto que explora a forma curva. Essa afirmação indica que reside aí a ousadia expressiva da arquitetura brasileira?
Ruy Ohtake: Quando provoca surpresa, quando produz leveza, quando estimula emoção, a curva é um dos elementos que podem caracterizar a arquitetura brasileira.
ArqBr: Ultimamente alguns de seus projetos lembram frutos. As semelhanças são conscientes? Fale a respeito.
RO: A minha arquitetura é, por vezes, orgânica. E talvez isso leve as pessoas a ligarem à natureza: as curvas da montanha, as ondas o mar, o peixe da praia, etc.
ArqBr: Comente sua produção mais recente, principalmente o Hotel Unique, o Ohtake Cultural e o mobiliário.
RO: O Ohtake Cultural é uma proposta contemporânea para a uma cidade cosmopolita como São Paulo. Lá, os escritórios – seus usuários – convivem com os espaços de cultura: áreas de exposições, ateliês, teatro; com espaços de lazer: restaurante, livraria, loja. O bairro participa do complexo, concluído há apenas 10 meses, as propostas começam a se efetivar. A arquitetura abre a região para a contemporaneidade.
O Hotel Unique tem a longa curva em arco invertido, possibilitando dois grandes espaços laterais, com 25 metros de altura: são os dois acessos. São dois pontos fortes do projeto, para uma grande cidade, para uma metrópole. Portanto, um hotel urbano. Os apartamentos das laterais são bastante curiosos, porque fiz o piso subir em curva, acompanhando o desenho da fachada até encostar no forro. Espaço interno surpreendente. Os corredores dos andares são curvas que alcançam as janelas, trazendo uma bonita luz exterior. Espaço inusitado.
Tenho projetado alguns conjuntos de móveis. Desenhei um móvel com 16 metros de comprimento, e que ocupa adequadamente o saguão de um hotel, em Brasília. Procuro trabalhar com as características próprias de cada material. Inventividade que o concreto permite, como fiz em várias estantes, escadas, peitoris e mesas. A leveza do metal, a partir da combinação de calandras: o aparador Filippelli, o sofá Três Ondas, a mesa Origami. A transparência colorida do vidro como superfície: várias estantes, a mesa ecológica.
ArqBr: Em trabalho recente, Glauco Campello afirmou que há na arquitetura brasileira um eixo constante e unificador cujos atributos são singeleza, concisão e clareza. Onde esses atributos se manifestam na sua obra?
RO: Além de atributos de singeleza, concisão e clareza, referidos por Glauco, competente e generoso arquiteto, acrescento os de surpresa e ousadia.
ArqBr: A arquitetura produzida no Brasil beneficia-se de uma crítica parcial ou mesmo inexistente?
RO: A arquitetura deve evoluir com crítica ou sem crítica. Melhor com boa crítica, com boas publicações e boas escolas.
ArqBr: Há um saudosismo pela arquitetura moderna brasileira e um certo desprezo pela produção recente, qual a sua opinião a respeito?
RO: A arquitetura, com sua trajetória passada ou recente, pode nos indicar alguns caminhos. O resto é com a proposta de cada arquiteto.
ArqBr: Aponte os projetos e arquitetos brasileiros mais representativos, atualmente. Existe alguma tendência ou corrente arquitetônica iniciada ou desenvolvida no país recentemente?
RO: Oscar Niemeyer é o mais importante arquiteto do mundo. Sua arte será referência ao longo dos próximos séculos. Respeito muito Lucio Costa, uma primorosa sabedoria. Gosto bastante de Lelé e de Lina Bo Bardi. Acho importante Paulo Mendes da Rocha. A tendência que eu gosto é a de dar continuidade à arquitetura brasileira.
ArqBr: Como vê a situação da arquitetura brasileira no cenário internacional?
RO: Niemeyer conquistou o reconhecimento mundial, e abriu espaço para a arquitetura brasileira, que tem projetos interessantes. Merece maior espaço em publicações internacionais, em certames e também congressos.
ArqBr: O que distingue as idéias aparentemente contrárias do "nivelamento das identidades e tradições locais com a globalização" e "um mix de culturas presente na América e no Brasil", já que ambas, na essência, diluem a idéia de nacionalidade, tão cara aos brasileiros?
RO: A cultura regional passa a ser importante quando atinge patamar universal. No cinema atual, são exemplos: Central do Brasil, de Walter Sales e Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Katia Lund. A América Latina tem desafios muito semelhantes, desde México e Cuba, desde Colômbia e Brasil. Cada país, cada região deve buscar suas propostas, que se forem da essência local em nível universal, ótimo. Se for mera expressão internacional, uma pena. Não se deve confundir diluição, que é globalização, com semelhança, que é a luta comum.
ArqBr: Na sua opinião, qual o papel do arquiteto nas causas que envolvem as classes menos favorecidas?
RO: Quando elaborei o projeto O Menino e O Mar, com Ruth Escobar, pensei na dignidade e na beleza para os espaços que abrigam 300 crianças de famílias muito pobres do litoral norte de São Paulo, em um bonito programa de educação. A arquitetura pode ser feita com materiais simples. Não se pode é abrir mão da criatividade e da plástica. Com dignidade. E a componente cidadania deve fazer parte da formação e da postura de todos nós.
LEGENDA DAS ILUSTRAÇÕES: (de cima para baixo)
- Ruy Ohtake. Gustavo Lourenção, Quem. Divulgação.
- Ohtake Cultural. São Paulo (SP). Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo. Divulgação.
- Hotel Unique. São Paulo (SP). Divulgação.
- Pavilhão da Feira Internacional de Osaka, Japão, 1970. Croquis. Paulo Mendes da Rocha. Colaboração de Flávio Motta, Júlio Katinski, Rui Ohtake e Jorge Caron.
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NOTAS:
(1) Entrevista concedida a Cláudio Cruz e Vanessa Lins. Publicado originalmente no Arquitetura Brasil, em 11 de setembro de 2002.
(2) Sobre Ruy Ohtake consultar:
Ruy Ohtake Arquiteturas Móveis. Julio Katinsky, Olivio Tavares de Araújo. São Paulo: Brastemp, 1996.
La Arquitectura de Ruy Ohtake. Madrid: Celeste Editorial, 1994.
SEGRE, Roberto. Ruy Ohtake: contemporaneidade da arquitetura brasileira. São Paulo: ABCP, 1999.
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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:
CRUZ, Cláudio. Surpresa e Ousadia. Heliográfica, online, Recife. Outubro/2007. Disponível: http://heliografica.blogspot.com. Acesso em [usar formato dia/mês/ano].