quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Violência e Arquitetura (1)


O crescente índice de violência urbana gerou, na sociedade atual, uma demanda desenfreada por equipamentos, dispositivos e técnicas que tenham a finalidade de assegurar a integridade da pessoa e da propriedade. Não só os hábitos corriqueiros refletem esse clima de insegurança, a forma das habitações e da própria cidade também foram alteradas em função desta realidade já marcada pela ancestral necessidade de abrigo e segurança indispensáveis ao bem-estar do homem.

Segurança não é uma preocupação exclusiva da sociedade hodierna, altamente urbanizada e socialmente injusta. Ao contrário, a história demonstra que desde a antigüidade, em sociedades predominantemente agrárias e socialmente mais justas que a nossa há exemplos que ilustram a preocupação com a segurança das habitações e das estruturas citadinas, afinal, estes deveriam ser lugares seguros por excelência por possuírem as características que os distinguem dos primevos abrigos que antes protegiam os homens das intempéries, das feras e do próprio homem. Vale ressaltar que as cidades muradas, os castelos com torres e passadiços, igrejas barrocas com seteiras, fortalezas na costa, todos estes são programas e detalhes construtivos que consideravam tanto a defesa quanto o ataque.

Hoje guaritas, cercas e muros são equipamentos amplamente utilizados nas habitações. A população discute a utilização de câmaras de espia nas vias públicas das cidades, mas a questão é: será que tais equipamentos cumprem sua função primordial de resguardar vidas e patrimônios? A julgar pelas estatísticas a resposta pode ser negativa. Mecanismos dessa natureza criam apenas desconfiança mútua e isolamento, promovem a segregação social e extinguem as práticas comunitárias integradoras.
A barreira física e a vigilância eletrônica temperadas de impessoalidade desestimulam a vida coletiva que pode ser o mais eficaz antídoto contra a violência. É a falta de integração entre os cidadãos o que acaba por servir de estímulo à geração de mais violência. Num ciclo de retroalimentação intramuros constata-se a violência doméstica despontando nas estatísticas a cada dia com maior freqüência. O fato é preocupante, pois atinge principalmente crianças e mulheres em seus lares, um espaço tradicionalmente tido como seguro, se comparado às ruas.
As precárias condições de vida - falta de habitação e péssima distribuição de renda-, são a principal causa dos conflitos sociais que podem transformar o cidadão em um inimigo potencial. Neste estado que podemos considerar emergencial não há muros nem guaritas que protejam uma sociedade que tornou-se refém de si mesma. Para superá-lo faz-se necessário criar espaços saudáveis e restaurar as áreas degradas das cidades, além de eliminar bolsões de pobreza e investir em infra-estrutura urbana a fim de resgatar e fomentar o convívio grupal. A adoção dessas medidas pode reverter o crescente número de casos de violência estatisticamente registrados.
A sociedade pacífica não é uma visão utópica, mas uma realidade com a qual os arquitetos podem contribuir para a sua concretização criando espaços saudáveis que promovam a integração social e consequentemente a superação dos conflitos. São vários os exemplos de projetos imbuídos desta preocupação, o que é louvável. Também são fartos os exemplos de uma arquitetura que pode alimentar a violência, o que é lamentável. Oxalá prevaleça a primeira sobre a segunda.


LEGENDA DA FOTO:
- Muro de Berlim. Autor não identificado. Divulgação.
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NOTA:
(1) Publicado originalmente no
Arquitetura Brasil em 09 de setembro de 2002.
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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:
CRUZ, Cláudio. Violência e Arquitetura. Heliográfica, online, Recife. Outubro/2007. Disponível: heliografica.blogspot.com Acesso em [usar formato dia/mês/ano].

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