terça-feira, 2 de outubro de 2007

Surpresa e Ousadia (1)

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Ruy Ohtake é um daqueles profissionais que não passam despercebidos. Polêmico, ele está, aos poucos, modificando a paisagem de São Paulo, com projetos multicoloridos e formas extravagantes. Sua produção arquitetônica começou em 1960, assim que concluiu a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Atualmente, além dos projetos arquitetônicos, ele também cria conjuntos de móveis (2).

Nessa entrevista Ohtake elege Oscar Niemeyer como o mais importante arquiteto do mundo, fala sobre suas obras mais recentes e tece comentários sobre a atual produção arquitetônica nacional.


Arquitetura Brasil: O senhor é conhecido como um arquiteto que explora a forma curva. Essa afirmação indica que reside aí a ousadia expressiva da arquitetura brasileira?

Ruy Ohtake: Quando provoca surpresa, quando produz leveza, quando estimula emoção, a curva é um dos elementos que podem caracterizar a arquitetura brasileira.

ArqBr: Ultimamente alguns de seus projetos lembram frutos. As semelhanças são conscientes? Fale a respeito.

RO: A minha arquitetura é, por vezes, orgânica. E talvez isso leve as pessoas a ligarem à natureza: as curvas da montanha, as ondas o mar, o peixe da praia, etc.


ArqBr: Comente sua produção mais recente, principalmente o Hotel Unique, o Ohtake Cultural e o mobiliário.

RO: O Ohtake Cultural é uma proposta contemporânea para a uma cidade cosmopolita como São Paulo. Lá, os escritórios – seus usuários – convivem com os espaços de cultura: áreas de exposições, ateliês, teatro; com espaços de lazer: restaurante, livraria, loja. O bairro participa do complexo, concluído há apenas 10 meses, as propostas começam a se efetivar. A arquitetura abre a região para a contemporaneidade.
O Hotel Unique tem a longa curva em arco invertido, possibilitando dois grandes espaços laterais, com 25 metros de altura: são os dois acessos. São dois pontos fortes do projeto, para uma grande cidade, para uma metrópole. Portanto, um hotel urbano. Os apartamentos das laterais são bastante curiosos, porque fiz o piso subir em curva, acompanhando o desenho da fachada até encostar no forro. Espaço interno surpreendente. Os corredores dos andares são curvas que alcançam as janelas, trazendo uma bonita luz exterior. Espaço inusitado.
Tenho projetado alguns conjuntos de móveis. Desenhei um móvel com 16 metros de comprimento, e que ocupa adequadamente o saguão de um hotel, em Brasília. Procuro trabalhar com as características próprias de cada material. Inventividade que o concreto permite, como fiz em várias estantes, escadas, peitoris e mesas. A leveza do metal, a partir da combinação de calandras: o aparador Filippelli, o sofá Três Ondas, a mesa Origami. A transparência colorida do vidro como superfície: várias estantes, a mesa ecológica.

ArqBr: Em trabalho recente, Glauco Campello afirmou que há na arquitetura brasileira um eixo constante e unificador cujos atributos são singeleza, concisão e clareza. Onde esses atributos se manifestam na sua obra?

RO: Além de atributos de singeleza, concisão e clareza, referidos por Glauco, competente e generoso arquiteto, acrescento os de surpresa e ousadia.


ArqBr: A arquitetura produzida no Brasil beneficia-se de uma crítica parcial ou mesmo inexistente?

RO: A arquitetura deve evoluir com crítica ou sem crítica. Melhor com boa crítica, com boas publicações e boas escolas.

ArqBr: Há um saudosismo pela arquitetura moderna brasileira e um certo desprezo pela produção recente, qual a sua opinião a respeito?

RO: A arquitetura, com sua trajetória passada ou recente, pode nos indicar alguns caminhos. O resto é com a proposta de cada arquiteto.

ArqBr: Aponte os projetos e arquitetos brasileiros mais representativos, atualmente. Existe alguma tendência ou corrente arquitetônica iniciada ou desenvolvida no país recentemente?

RO: Oscar Niemeyer é o mais importante arquiteto do mundo. Sua arte será referência ao longo dos próximos séculos. Respeito muito Lucio Costa, uma primorosa sabedoria. Gosto bastante de Lelé e de Lina Bo Bardi. Acho importante Paulo Mendes da Rocha. A tendência que eu gosto é a de dar continuidade à arquitetura brasileira.

ArqBr: Como vê a situação da arquitetura brasileira no cenário internacional?

RO: Niemeyer conquistou o reconhecimento mundial, e abriu espaço para a arquitetura brasileira, que tem projetos interessantes. Merece maior espaço em publicações internacionais, em certames e também congressos.

ArqBr: O que distingue as idéias aparentemente contrárias do "nivelamento das identidades e tradições locais com a globalização" e "um mix de culturas presente na América e no Brasil", já que ambas, na essência, diluem a idéia de nacionalidade, tão cara aos brasileiros?

RO: A cultura regional passa a ser importante quando atinge patamar universal. No cinema atual, são exemplos: Central do Brasil, de Walter Sales e Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Katia Lund. A América Latina tem desafios muito semelhantes, desde México e Cuba, desde Colômbia e Brasil. Cada país, cada região deve buscar suas propostas, que se forem da essência local em nível universal, ótimo. Se for mera expressão internacional, uma pena. Não se deve confundir diluição, que é globalização, com semelhança, que é a luta comum.

ArqBr: Na sua opinião, qual o papel do arquiteto nas causas que envolvem as classes menos favorecidas?

RO: Quando elaborei o projeto O Menino e O Mar, com Ruth Escobar, pensei na dignidade e na beleza para os espaços que abrigam 300 crianças de famílias muito pobres do litoral norte de São Paulo, em um bonito programa de educação. A arquitetura pode ser feita com materiais simples. Não se pode é abrir mão da criatividade e da plástica. Com dignidade. E a componente cidadania deve fazer parte da formação e da postura de todos nós.


LEGENDA DAS ILUSTRAÇÕES: (de cima para baixo)

- Ruy Ohtake. Gustavo Lourenção, Quem. Divulgação.

- Ohtake Cultural. São Paulo (SP). Ruy Ohtake Arquitetura e Urbanismo. Divulgação.

- Hotel Unique. São Paulo (SP). Divulgação.

- Pavilhão da Feira Internacional de Osaka, Japão, 1970. Croquis. Paulo Mendes da Rocha. Colaboração de Flávio Motta, Júlio Katinski, Rui Ohtake e Jorge Caron.

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NOTAS:

(1) Entrevista concedida a Cláudio Cruz e Vanessa Lins. Publicado originalmente no Arquitetura Brasil, em 11 de setembro de 2002.

(2) Sobre Ruy Ohtake consultar:
Ruy Ohtake Arquiteturas Móveis. Julio Katinsky, Olivio Tavares de Araújo. São Paulo: Brastemp, 1996.
La Arquitectura de Ruy Ohtake. Madrid: Celeste Editorial, 1994.
SEGRE, Roberto. Ruy Ohtake: contemporaneidade da arquitetura brasileira. São Paulo: ABCP, 1999.


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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:

CRUZ, Cláudio. Surpresa e Ousadia. Heliográfica, online, Recife. Outubro/2007. Disponível: http://heliografica.blogspot.com. Acesso em [usar formato dia/mês/ano].

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