quarta-feira, 19 de setembro de 2007

São Paulo 450 Anos (1)

Não é em São Paulo que se deve procurar uma contribuição prática válida para o urbanismo contemporâneo (...). Seria possível consolar-se com isso se a falta de criatividade nesse setor ao menos tivesse contribuído para proteger os vestígios do passado, mas não aconteceu nada disso, muito pelo contrário: em parte alguma a fúria destrutiva foi exercida com maior constância (...) (2).



Quais as imagens que se tem, hoje, da cidade de São Paulo quando ela completa 450 anos? Imagem não é tudo mas é o bastante quando se sabe que do passado só elas restaram. A cidade viveu um excepcional crescimento econômico, demográfico e profundas mudanças urbanísticas em sua história, as imagens de São Paulo hoje são inúmeras e parciais que não mostram nada além de pontos focais, diminutos diante de sua complexidade. Uma imagem que a mostre inteira só é possível em escala regional, pois esta é a única megalópole brasileira, com mais de dez milhões de habitantes.
São mais de quatro séculos contados desde o longínquo dia 25 de janeiro de 1554 quando os padres jesuítas chegaram e se estabeleceram no planalto onde iniciaram as atividades de catequese dos índios. Nesse dia a igreja comemora a conversão do Apóstolo Paulo ao cristianismo, a cidade homenageia um convertido, em São Paulo todos são paulistas.
O Colégio Jesuíta de Piratininga começou a funcionar em 1556, era uma construção em taipa ao redor do qual iniciou-se a edificação das primeiras casas que deram origem à cidade, elevada a vila já em 1560. São Paulo possuiu desde o seu início a característica do urbanismo português de ocupar os terrenos altos, mais seguros, secos, salubres e deixar as partes baixas desocupadas, como são exemplos semelhantes Olinda, Salvador e o Rio de Janeiro. Da primeira construção até o século 19, a cidade permaneceu isolada, no meio do caminho para o sertão brasileiro, durante todos esses séculos, a "língua geral", de base tupi-guarani, era mais usada em São Paulo do que o português. Era uma parada no caminho dos bandeirantes e demais viajantes que deixavam o litoral em busca do sertão brasileiro, foi neste caminho de viajantes que D. Pedro I decidiu pela independência do Brasil, em 1822.

Em 1711 a vila foi elevada à categoria de cidade, ainda que ela não apresentasse significativo progresso econômico e a população, em algumas ocasiões até decresceu. Em 1827 o a cidade foi escolhida para receber a academia de direito, o que lhe deu importância cultural pela primeira vez. À margem dos ciclos econômicos da colônia (agricultura e mineração), São Paulo só veio a ter importância a partir do fim do século 19, com os capitais acumulados na lavoura do café e com a posterior industrialização. Nessa época, o centro histórico, situado nas cercanias da elevação próxima à confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, onde a cidade surgiu, ficou pequeno devido ao crescimento demográfico.

Em pouco tempo tornou-se a maior cidade do interior do Brasil, uma mudança na ocupação do território brasileiro que inverteu a tendência de ocupar apenas o litoral e deixar o interior como terra icógnita; um marco na passagem da condição de país agrícola para país industrializado, de população predominantemente rural para população urbana. Seu salto econômico foi possibilitado pela atividade cafeeira cuja exportação chegou a representar mais de 70% do total brasileiro. Depois de 1930, a economia cafeeira deu lugar à industria como gerador de riquezas. Planos e melhorias urbanas sucederam-se. Novos bairros surgiram, numa estrutura urbana desarticulada, em várias ocasiões comparada a uma colcha de retalhos. Novas vias foram abertas para desafogar um trânsito que não deixou nunca de pedir cada vez mais áreas de circulação.



A cidade dos brasileiros convertidos abriga desde o final do século 19 uma grande quantidade de imigrantes que lhe deu feição própria, notadamente italianos e japoneses, mas há inúmeras outras nacionalidades, como sírios, libaneses e mais recentemente coreanos e latino-americanos de várias procedências. Considerando-se a migração interna, a quantidade de nordestinos foi a mais significativa, diz-se que São Paulo é a maior cidade japonesa fora do Japão e a maior cidade nordestina fora do Nordeste.
É sobretudo uma cidade de grandes contrastes, onde convivem lado a lado o seu progresso e sua incapacidade de superar os próprios problemas. Onde a iniciativa privada foi a promotora do desenvolvimento e o Estado ocupou funções secundárias. Nesta posição, as iniciativas públicas sempre foram insuficientes para prever e remediar os problemas urbanos e a iniciativa privada não assumiu esse ônus.
No século XX São Paulo ganhou e perdeu importância econômica, hoje seu forte está no setor de serviços, sua produção industrial corresponde a 9,4% da produção do país, é a capital de um estado que é hoje o maior pólo de negócios da América Latina, concentrando 1/3 de todos os investimentos privados realizados no território nacional, onde se produz 34% do PIB industrial brasileiro, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp. As estatísticas da atividade econômica são ainda mais impressionantes quando se constata que o dinheiro abundante não soube, ou não quis, comprar uma boa arquitetura e urbanismo. Neste quesito, São Paulo é um exemplo a ser evitado.

Nesta data comemorativa, em que o Presidente da República foi à cidade inaugurar uma fonte multimídia no parque Ibirapuera, é de se lamentar que viaje tanto para tão pouco, a fonte é tão simbólica como o Independência ou Morte que só Pedro Américo viu e retratou em 1888. A cidade construída sem bom senso, não teve a felicidade de receber de presente nada que lhe fosse mais útil do que uma fonte banal quando ainda lhe falta um plano urbanístico ou uma obra realmente importante, de interesse majoritário para a sua população. Entretanto, não se deixa de comemorar nem de compartilhar com os paulistanos a legítima esperança de que os problemas que desqualificam São Paulo possam ser superados a tempo para usufruto das próximas gerações.


LEGENDA DAS ILUSTRAÇÕES: (de cima para baixo)
- Planta da Imperial Cidade de São Paulo pelo Capitão de Engenheiros Rufino J. Felizardo e Costa. 1810.
- Vista aérea de São Paulo. Foto Jefferson Pancieri.
- Avenida Sumaré. Gregório Gruber, 1989.
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NOTAS:
(1) Publicado originalmente em
Arquitetura Brasil, em 23 de janeiro de 2004.
(2) BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Perspectiva, 1991. P. 333.
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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:
CRUZ, Cláudio. São Paulo 450 Anos. Heliográfica, online, Recife. Setembro/2007. Disponível: http://heliografica.blogspot.com/. Acesso em [formato dia/mês/ano].

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