terça-feira, 4 de setembro de 2007

A memória do teatro (1)

“O edifício teatral viverá sempre de valores abstratos” (2).

Lançado em setembro do ano passado (2002), Teatros – Uma memória do espaço cênico no Brasil, veio preencher uma lacuna da qual se ressentem os interessados em conhecer os teatros: a falta de referências bibliográficas, em português, sobre o assunto e que tenham como objeto de estudo os teatros brasileiros.

O livro traz 892 teatros dos 26 Estados e do Distrito Federal. Desses, 88 têm destaque especial, com textos exclusivos e informações técnicas detalhadas. É um farto levantamento do que há no Brasil, desde salas flexíveis, como o recém inaugurado Teatro Santa Cruz (São Paulo, SP) até os teatros históricos, como o Amazonas (Manaus, AM), passando por outros considerados “alternativos” pelas particularidades de suas instalações, como o Teatro Vila Velha (Salvador, BA), e as novas casas, como o Credicard Hall (São Paulo, SP), que caracterizam uma tendência de projeto de palcos mais voltados a shows, e não se prestam satisfatoriamente a espetáculos teatrais.

O teatro, como gênero artístico, é uma arte de “representação” e existe independentemente do edifício que lhe dê abrigo, pode ser encenado em qualquer lugar. A arquitetura, como gênero artístico, é uma arte de “realidade” e cria o espaço específico para abrigar uma atividade, no caso a encenação teatral. O teatro é, pois, o ponto de união desses dois gêneros artísticos. São, por excelência, considerados patrimônio da nossa cultura e os que Serroni nos apresenta neste livro têm a particularidade de ser uma pesquisa exaustiva (coisa rara no país) que não esgota o assunto e estimula a vontade de saber mais.

O livro abre os olhos do leitor para a realidade desses edifícios que são uma obra coletiva da sociedade, pois da sua idealização participam atores, técnicos, arquitetos, escritores, administradores, todos são operários na ereção de um edifício cujo epicentro, a caixa cênica é um espaço vazio a ser preenchido pelo espetáculo. Apesar da importância desses edifícios, alguns deles se encontram seriamente ameaçados pela própria dinâmica social onde o compromisso mais imediato é com o fazer e não com o preservar. O autor sabe disso e o seu trabalho é uma louvável contribuição à salvaguarda desses edifícios.

Arquiteto, cenógrafo, figurinista e artista plástico, Serroni realizou inúmeros projetos arquitetônicos para casas de teatro e cenografias para teatro, TV e publicidade. Participou da Quadrienal de Cenografia, Indumentária e Arquitetura Teatral de Praga - na República Tcheca em 1987, 1991 e 1995. Nesta recebeu o grande prêmio da Quadrienal: a 'Golden Triga'. Coordenou o núcleo de cenografia e figurinos do CPT - Centro de Pesquisa Teatral do SESC, dirigido por Antunes Filho. Hoje coordena o Espaço Cenográfico em São Paulo, onde ministra oficinas de cenografia, figurinos e adereços. Este é sua primeira publicação em grande formato, ele escreve também para o informativo Espaço Cenográfico News.

A conclusão a que se chega com essa leitura é da necessidade de renovação dos teatros no Brasil, o que não pode ser feito sem que o profissional arquiteto se especilize nesta área, torne-se um arquiteto cênico, na definição de Serroni, este é um intermediário entre os projetistas da obra e o espetáculo (p. 30). Com essa sonhada especialização teremos os profissionais instrumentados que podem modernizar as instalações físicas que permitam ao encenador recursos técnicos que valorizem o espetáculo em benefício do público.

Embora os valores abstratos do edifício teatral sejam componentes fundamentais de sua natureza artística, não se pode minimizar seus valores concretos, fundamentais de sua existência social. A renovação dos teatros no Brasil é um investimento imenso, cada uma das salas necessita de uma soma vultosa, o total do que todas elas necessitam é incalculável, já que os equipamentos necessários ao bom funcionamento de um teatro, geralmente importados, são muito caros e não há suficiente investimento em cultura. Como a maioria das salas pesquisadas pertencem à administração pública, em momentos de crise são as áreas que mais sofrem cortes, visto que já possuem o orçamento mais minguado. Hoje em dia essas salas não dispensam os investimentos da iniciativa privada, sem os quais viveriam numa ainda mais atroz insolvência. O livro mesmo serve de exemplo para a escassez de recursos destinados ao estudo do teatro e aos teatros em si. Originou-se como tese de graduação de Serroni na FAU-USP, em 1976. Durante todo esse tempo o material permaneceu inédito, há cerca de dois anos, finalmente, os recursos para a publicação foram conseguidos com o patrocínio de uma empresa de telecomunicações. O livro vem em hora oportuna, enquanto alguns desses teatros ainda estão de pé.

LEGENDAS DAS ILUSTRAÇÕES (de cima para baixo):
- Capa de Teatros – Uma memória do espaço cênico no Brasil.
- J. C. Serroni. Divulgação.
- Teatro Amazonas. Manaus, AM. Biblioteca do IBGE, Coleção Digital. Fotografias.

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NOTAS:
(1) Publicado em 17 de abril de 2003 no Arquitetura Brasil.

(2) RATTO, Gianni IN: SERRONI, J. C. (org). Teatros – Uma memória do espaço cênico no Brasil. São Paulo: Senac, 2002. P.17.
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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO:
CRUZ, Cláudio. A Memória do Teatro. Heliográfica, online, Recife. Setembro/2007. Disponível: http://heliografica.blogspot.com/. Acesso em [usar formato dia/mês/ano].

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